quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Entrevista com Daniela Andrade

Em virtude do dia da Visibilidade Trans*, vou fazer uma série de entrevistas com notadas mulheres Trans*, a começar pela Daniela Andrade.

Daniela Andrade é um dos nomes mais conhecidos no ativismo transgênero, principalmente na internet. Ela tem 33 anos, mora em São Paulo e vive com seus gatinhos Seu Arlindo e Julinho da Adelaide.
É formada em Letras e Análise de Sistemas, com pós graduação nas duas áreas. Quinze anos de experiência com análise e programação de sistemas, e com atuação também em sala de aula, ministrando as disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura para alunos carentes em cursinho e pré-vestibular, e é considerada uma mulher bem sucedida.
A breve entrevista de hoje vai revelar algumas curiosidades sobre essa pessoa maravilhosa.


Jaqueline Furacão - Daniela, suas reflexões são admiradas por muitas pessoas, parece que vc consegue dizer o que tá entalado na garganta de muita gente.  A que se deve esse seu talento da comunicação? Como vc consegue escrever tantos textos?

Daniela Andrade - Sempre gostei de escrever, como nunca tive amigos durante a infância e adolescência, transformei os livros em meus amigos, transformei as personagens e histórias que eu criava e punha no papel em grandes companheiras. Data daí esse meu apreço pela língua escrita, numa tentativa premente de traduzir o indizível. Tenho ansiedade em colocar para o mundo o que é ser trans*, sob a perspectiva de uma pessoa trans* o que ainda hoje em dia, infelizmente, é algo raro.

Jaqueline Furacão - A gente sabe que vc teve muita dificuldade na sua adolescência, mas hoje vc tem dois diplomas, já trabalhou em diversos lugares. Vc acha que conseguiu dar a volta por cima dos problemas do passado? Seus problemas hoje são outros? Conte pra gente como é não ter privilégios cisgêneros.

Daniela Andrade - Não acredito que os problemas do passado simplesmente sejam extintos, não consigo olhar para o meu passado sem dor, há marcas e cicatrizes que são eternas. Os problemas permanecem os mesmos: a falta de vontade das pessoas em respeitar uma mulher trans* como qualquer outra mulher, o enorme preconceito, a ignorância, a transfobia. São inimigos diários de ontem e de hoje.

Não ser uma pessoa cis é ser considerada diuturnamente como aberração, ser colocada à margem da sociedade, ter direitos muito básicos negados, como não ter seu nome e seu gênero respeitado por quase ninguém. Não ser uma pessoa cis é para o mundo ter falhado, mas eu sempre digo: não tem problema, o mundo também falhou para mim, estamos quites.

Jaqueline Furacão - E o coração? Tem dono?

Daniela Andrade - Sim, namoro há mais de um ano um rapaz que é o grande amor da minha vida, que me compreende, e me ajuda de todas as maneiras. Ele e meus dois gatos são a minha família.

Jaqueline Furacão - Recentemente vc conseguiu mudar sua documentação,  conte pra gente como tem sido essa experiência.

Daniela Andrade - Foi algo extremamente estafante emocionalmente, pois você fica impaciente, fica apreensiva, tendo seu destino nas mãos de terceiros. Sabendo que um outro que não te conhecer irá te dar ou não o direito de ser cidadã, de ser reconhecida como Daniela e mulher perante as leis brasileiras – e isso é um absurdo, ter que judicializar direitos tão básicos. Fora o fato de que durante o processo, exigências esdrúxulas foram exigidas, como comprovação da minha aparência feminina. Como somos nós, pessoas trans*, que estamos sob constante escrutínio alheio, de pessoas cis que detém o poder de nos conceder ou não o direito de sermos consideradas cidadãs e cidadãos, percebe-se que as exigências feitas para que se comprove a nossa identidade não é feita para pessoas cis, essas tomadas como sujeitos de direito.

Jaqueline Furacão -  Por que um dia de visibilidade trans* é importante?


Daniela Andrade - O dia da visibilidade trans* é importante para lembrar que pessoas trans* sofrem 12 meses, 365 dias por ano a transfobia e o cissexismo. Que essas pessoas estão marginalizadas, alijadas dos bancos das escolas e universidades, preteridas no mercado de trabalho, sendo forçadas a se prostituírem, tendo o gênero deslegitimado diuturnamente, sendo agredidas por uma sociedade que não nos considera gente, que não vê humanidade em nós. O dia da visibilidade trans* serve para que as pessoas se conscientizem que não podem e não devem lembrar da nossa existência apenas no dia 29 de janeiro.

3 comentários:

  1. Interessante a sua iniciativa de iniciar essas entrevistas, Jaqueline!
    Realmente, como a Daniela disse, as trans sofrem o tempo todo!
    Elas merecem respeito, visibilidade! Vocês têm todo, todo o meu apoio!
    Continuarei acompanhando os posts!
    Um beijão!

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  2. Jaque


    Parabéns pela entrevista, tocando nos aspectos humanos e políticos e ajudando a mostrar o quanto ainda teremos de lutar para a superação da opressão contra as pessoas trans.

    Um abraço,


    Paulo Mariante

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