segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A sobrevivência da cultura drag no filão dos reality shows

É super complicado falar sobre RuPaul's Drag Race (RPDR), em muitos sentidos. Eu vou pontuar só dois deles.

É complicado porque o seriado tem uma legião de público muito apaixonado. Portanto, falar qualquer coisa sobre RPDR desperta o amor e também a ira de uma pá de gente.
Segundo que é inegável a importância do seriado para a profissionalização da arte drag e da manutenção da cultura drag ao redor do mundo. “Yes, galgamos o degrau da globalização pop!!!” A visibilidade sensibilizou as pessoas sobre as dificuldades de ser uma drag queen. E mais, estimulou uma juventude a experimentar sem preconceitos esta arte.
Mas, este mar de benefícios não pode anular os reveses que se criou na comunidade. Apesar de todo o amor pelo seriado, é necessário pontuar alguns aspectos que pede o pensamento crítico:
Vcs já repararam como nossa sociedade é “monocórdia”? Estamos o tempo todo escolhendo os melhores. Quem será a nova loira do Tchan? Quem é o jogador que fez mais gols: Pelé ou Maradona?
A era dos “realities” encontrou nessa característica um prato bem cheio. Não é à toa que escolhemos os chefes másteres com o prato mais requintado e criativo! Escolhemos aquele que supera as calamidades de uma vida no relento e prova sua força de vontade comendo até olhos de cabra e baratas de laboratório. E nos deleitamos ao assistir aqueles karaokês tailandeses que mergulham seus cantores em poços cheios de lagartos, sapos e crocodilos? Quem é a melhor voz? Quem tem o melhor timbre? E desse tem até a versão Kids!!
Nos últimos tempos temos chafurdado nossos rabos no sofá vendo “la crème de la crème de la crème” das seleções dos melhores! Bem aquele que você não é! E se fosse, como você sempre pensa do lado de cá, faria melhor e terminaria num salto mortal! Que pena que não é você!! De você, eles amam a empatia.. E é nesse afã que eles moldam tudo para que você se identifique: e se fosse eu??? Além disso, qual concepção de “melhor” está em jogo? Sabemos muito bem: o melhor é aquele que faz por merecer! E aí entramos no terreno movediço da MERITOCRACIA! Os reality shows lidam com a lógica meritocrática que faz adoecer todo mundo. Esse mundo é doente porque buscamos o tempo todo sermos os melhores. Estamos paranoicos, nos cobrando o tempo todo pelo nosso melhor.
Sorte que nós, as drags, temos um reality pra chamar de nosso. Isso é simbólico, mas o preço é que nos dragadiamos (gostaram do trocadilho? rsrsrs) por uma coroa que nem sempre vale a pena.


Sei que a cultura drag tem sobrevivido desde sempre através dos concursos. Mas, sei lá, poderia estar na hora de podermos fazer diferente. Quem sabe nossos concursos não sejam mais cooperativos. Tomara que a grande mídia marqueteira descubra logo que nós queremos cooperar. A RuPaula já sacou isso na sua última temporada. Quem sabe não há uma luz no fim do túnel, uma luz que nos leve para a democratização de outras narrativas drags. Afinal, nós sabemos fazer muitas coisas, além de competir!

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Drag queen: uma porta de entrada para a experiência de gênero

by Bapho Produções
A imagem da drag queen é um símbolo bastante forte de representação da sigla LGBT. Quando pensamos em LGBT, facilmente podemos imaginar uma drag queen. Isso vai do senso comum ao próprio movimento! Mas o irônico disso tudo é que até agora não entramos em acordo sobre em qual categoria se enquadra a drag queen. Se a drag é L, G, B ou T!!!! Afinal de contas como funciona o gênero e a sexualidade da drag?
Como estamos muito acostumadas com o paradigma da cisgeneridade, o primeiro impulso é classificar a drag no grupo G, de gays! Mas daí temos dois contra-argumentos: i) travestis e transexuais também podem ser drags e ii) mulheres cis, que não são LGBTs à priori, também podem ser drags, portanto, L e, obviamente, Bs também!
Se quisermos pensar de outro modo, a coisa também se complica bastante: em que grupo colocar a drag? Na turminha da sexualidade: LGB? Ou da identidade de gênero: T?
Uma coisa que tenho pensado pra mim é que drag, conforme vivenciamos na atual conjuntura – que é diferente de sua relação do passado na tríade: transformista, drag queen, travesti artista – é uma porta de entrada para uma experiência de gênero bastante tênue e que produz efeitos de sentido na generidade de quem a pratica que se agrava a depender do quão fundo você se entrega a essa experiência.
Ser drag é uma cisão no transcurso da construção de gênero. É uma cisão porque se desnaturaliza a construção do gênero que é constante para todo mundo. Drag é o momento do antes e do depois, mas também pode ser um momento gradual.
No caso de homens gays cis, a drag permite que eles percam o medo do feminino e se empodere de seus signos. E depois de viver por algum tempo essa experiência, será que este homem gay cis ainda continua com a sua cisgeneridade intacta?
E as mulheres cisgêneras quando fazem drag? Por que o fazem? O que a drag permite que elas façam livremente nesta sociedade que nos recalca o tempo todo? O que elas podem ser? E o que elas se tornarão depois dessa experiência? Continuarão a mesma mulher de antes?
E as pessoas trans que fazem drag? O que a drag representa em sua vida: um antes e um depois em quê? E o caso daquelas pessoas que se tornam trans “de verdade” depois da experiência drag?
O efeito drag é bastante diverso a depender da experiência de gênero anterior! E é fato que ninguém sai incólume depois desta experiência.

O grupo é bastante diverso, como qualquer outro. Mas apesar disso, guardamos bastante semelhanças pois somos um grupo. Um grupo identitário que no final das contas não é puramente L, nem G, nem B e nem puramente T. Resta saber o que temos em comum!

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