domingo, 29 de junho de 2014

A nau dos rejeitados

O filme "Tacones lejanos" (De salto altos), de Almodóvar, me fez pensar sobre rejeição. Trata-se da história de uma mulher rejeitada em vários momentos. 
A protagonista Rebeca, já nos é apresentada como sendo rejeitada desde o princípio por seu padrasto.
Sua mãe, Becky, é uma cantora famosa que está por deixar a Espanha. Becky recebe a proposta de ir trabalhar no México. Contudo, seu marido não permite a viagem. É aí que Rebeca demonstra sua devoção à mãe. A protagonista, então uma criança, troca os remédios do padrasto, este adormece ao volante e morre num acidente de carro. Rebeca, desde cedo, concede a liberdade a sua mãe, que parte com a promessa do retorno. Retorno que é adiado por 15 anos. Durante a ausência da mãe, Rebeca alimenta uma imagem materna perfeita que persegue para si. Depois de passar 15 anos distante, Becky ao regressar a Espanha, encontra sua filha Rebeca crescida e casada com um de seus companheiros do passado, Manuel.
A cena mais marcante quanto à rejeição é aquela em que Rebeca revela à mãe que, mesmo distante, ela sempre continuou sendo sua figura de inspiração. Ao longo dos anos, a filha tentou alcançar o mesmo êxito que o de sua mãe. No entanto, como Rebeca mesma admite, ela jamais o conseguiu, considerando-se, assim, apenas uma filha medíocre, aquém dos feitos da mãe. Mesmo tendo aparentemente superado-a no que diz respeito aos homens - Rebeca se casara com um ex de sua mãe - nem mesmo no amor Becky é vencida. Ao retornar a Espanha, Becky passa a ser a amante do marido de sua filha. A rejeição da ausência se confirma no retorno. Além disso, Manuel também é um personagem que rejeita bastante Rebeca, seja pela morbidez do relacionamento seja pelos casos de traição.
Esse filme me fez lembrar que ultimamente tenho ouvido muitas histórias de rejeição. Cada uma a sua maneira: ou o amor que não foi correspondido em um relacionamento, ou a substituição de um parceiro por outro, ou uma doença incurável etc.
O sentimento de rejeição é uma coisa muito ruim, abala a autoestima do rejeitado. E isso tem tudo a ver com os padrões sociais. 
Todas as pessoas que pertencem a uma minoria já sentiram esse sentimento de rejeição. Pobres já foram esculhambados por não serem ricos. Gays já se sentiram rejeitados por não serem héteros. Afeminados já foram preteridos por darem pinta. Transgêneros se sentem rejeitados pelo cistema. Gordos já se sentiram indesejados por não serem magros. Negros já foram indeferidos por não serem brancos. Soro positivos já choraram escondidos por não se sentirem desejados. Baixinhos já tiveram seus complexos à mostra diante de um altinho.
É claro que há quem ame cada um com sua diferença. Independentemente disso, em algum momento da nossa vida, todos nós já nos sentimos rejeitados.
O padrão grita o tempo todo, crescemos num meio que o naturalizou. E esse padrão, por mais fortes e conscientes que sejamos, ainda nos abala. Não conheço ninguém que goste de ou queira ser excluído. Assim, vivemos num impasse: como abalar o padrão sem deixar que ele nos abale?
Eu não tenho essa resposta. Sou idealista, mas também sou imediatista.
Às vezes me pego escorregando nos desejos. Me pego também desejando esse padrão. Mas é difícil me sentir culpada. Não estou acima do que eu vivo cotidianamente.
Sei que é meu dever contribuir para a quebra do prestígio de padrões, mas eu também quero viver o tempo em que ele estará derrubado. É AGORA que eu não quero me sentir rejeitado. Enquanto isso, vamos tocando a nau dos rejeitados, consolando-nos uns aos outros, se isso ainda é bálsamo para nossas feridas.   

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