terça-feira, 15 de abril de 2014

Sobre a repercussão de RuPaul's Drag Race em nós

Vou tocar num assunto que adiei ao máximo, mas, como estão sempre pedindo minha opinião sobre o tema, chegou a hora de me posicionar.
Tenho uma postura muito crítica com a série do RuPaul, o RuPaul's Drag Race. Eu assisti apenas a uma temporada e não curti muito. Não tenho nada contra a pessoa do RuPaul em específico. Pelo contrário, admiro-a bastante e nem preciso dizer o porque. O programa também tem seu lado positivo: divulgou a cultura drag para a população gay (e inclusive já é bastante cobiçada pelo "pink money"), incentivou novas drags (praticamente a nova geração toda) e o mais importante, difundiu técnicas de montaria guardada há anos pelas drags mais antigas (o programa é tipo um "Mister M" das drags, rsrs).
Minha crítica, no entanto, é quanto a algumas ideias do programa em si, que, de longe, não se originou com o programa, mas encontra grande força para manter-se viva.
Em primeiro lugar, trata-se de uma competição. Fico sempre com o pé atrás com competições, mas no caso Drag é ainda mais complicado, porque estamos num campo em que o que mais importa é a diversidade. As drags são diferentes e é impossível escolher apenas uma. A competição passa desapercebida pelas pessoas, porque é uma coisa bastante naturalizada na sociedade capitalista. Existe uma tendência ao pensamento monocórdio nessa sociedade: o tempo todo estamos fazendo concursos para escolher A/O MAIS, só há espaço para UM. Isso, por sua vez, é fruto de um ESSENCIALISMO também naturalizado. O essencialismo diz que as coisas têm uma essência (única e pura) e que em sua origem elas não são diversas. Oras, isso é uma tremenda bobagem, pois há inúmeras maneiras de se ser. Mas o essencialismo está aí, vivíssimo por todo lado. Ele ressoa toda vez que dizemos/ouvimos que fulana não é uma mulher de verdade (muitas vezes, essa frase é dirigida a mulheres trans), por exemplo. No caso da série, o essencialismo gira em torno do que é ser Drag. Só a verdadeira Drag será a campeã, porque afinal ela é uma Drag Queen de verdade.
A verdadeira Drag é aquela que sabe fazer uma verdadeira maquiagem, sabe fazer enchimentos verdadeiros, sabe cantar (ops.. dublar) verdadeiramente, etc etc. Como se houvesse apenas uma maneira de se fazer todas essas coisas.
Em segundo lugar, me incomoda bastante a competitividade e a rivalidade que surge por conta desse formato. As Drags performam a feminilidade, evocam a mulher. E fica muito fácil, dentro de uma cultura machista, que mulheres sejam rivais. No fundo, a rivalidade em jogo é nada mais que a rivalidade feminina. Difundir isso é dar voz ao machismo.
E por fim, o que me incomoda também é a maneira como consumimos essa cultura americana: como já disse, acrítica, e consequentemente, colonizadamente. A gente tem muita predisposição a aceitar os enlatados e aplicar os modelos de lá para cá. Gentem, o que é "lipsync" se não a velha e boa dublagem? Já não basta a alcunha de "Drag Queen", que num movimento anterior, o de Priscila, já não substituiu o "transformismo"?
Uma vez que estamos inseridos nesse essencialismo monocórdio, cria-se a sensação de que só se é Drag Queen de verdade, se a drag for como uma das de RuPaul. Não é necessário podar a diversidade e se matar por um lugar ao pódio nessa corrida das loucas.

   

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