A nossa entrevistada de hoje é a admirável Indianara Siqueira. Ela é presidenta
do grupo Transrevolução, que tem a finalidade de auxiliar pessoas trans. No ano
passado, foi intimada a comparecer no tribunal acusada de "ultraje público
ao pudor". Ela havia mostrado os seios na Marcha das Vadias do Rio. Foi a
primeira a revelar na prática uma contradição da justiça, que lhe recusa a reconhecer como
mulher, mas que não hesita no momento de proibi-la em andar sem camisa.
Jaqueline Furacão - Indianara, conte um pouco pra
gente sobre a polêmica do topless? Qual o seu envolvimento com a Marcha das
vadias?
Indianara - O topless na realidade eu faço
desde 2001, me tornei adepta na Suíça (Lago Ouchy-Lausanne) onde morei e depois
em Copacabana, no Rio (em frente ao Copacaban Palace). Mas tinha tido problemas
antes disso por não gostar de marcas das alças de sutiã de bikini nas costas. Aí,
em Santos (onde também morei), uma vez a polícia me encheu o saco e aleguei que
"legalmente era homem". Se me prendessem, teriam que fazer o mesmo com
todos os homens sem camisa na praia. Anos depois (2011), quando me tornei uma
das organizadoras da Marcha dxs Vadixs, a polêmica voltou sobre se a polícia
prenderia ou não as mulheres da marcha por conta do peito de fora. Eu disse que
iria na frente, pois legalmente eu podia. E assim foi, eu tirei, as mulheres
tiraram o peito pra fora e fomos em frente. Em 2012 de novo e aí houve a
invasão da Igreja NSra de Copacabana e eu fiquei visada. Depois, quando chamei
a polícia pra resolver problemas de transfobia contra amigas, eles diziam q
pelo documento éramos homens. Então criei um protesto: "Meu peito, minha
bandeira, meu direito". E saia um dia da semana à noite ou de dia com os
seios desnudos por Copacabana. Aí fui detida e viralizou o caso na net. No ano
passado, na marcha, foi tranquilo, mas esse ano fui detida outra vez na lapa e
vou passar por outra audiência.
Jaqueline Furacão - Você ta na luta, no movimento
há bastante tempo. Há quantos anos? Como vc resumiria sua trajetória?
Indianara - Eu comecei sendo
treinada pelo departamento municipal de dst/aids de Santos como multiplicadora
de informações e agente de prevenção. Como presidente do Grupo Filadélfia de
Santos, exigimos o uso do nome social na conferência municipal de saúde em
1996. Pela 1º vez no Brasil, as Trans exigiam que um governo lhes respeitasse o
nome em prontuário médico. Foi aprovado! Exigimos que casais homo fossem
considerados casal de fato. E trans, na hora da internação, ficasse em ala
feminina (não se falava em homens trans). Tudo isso também foi aprovado e, aí,
muita emissora de tv, jornais do Brasil e exterior noticiaram o fato e a
polêmica me levou ao patamar de liderança nacional e ativista. Então, ao invés
de só saúde, passei a ser ativista de direitos humanos. Algumas pessoas achavam
que eu era mais um rostinho bonito querendo fama, ainda mais que fui indicada
por uma amiga (a Michelle de Curitiba) pra posar nua pra Big Man Internacional
de Travestis. Com os anos, as pessoas viram que eu tinha vindo pra ficar. Hoje
têm pessoas que dizem que eu entreguei minha juventude em prol do ativismo. Não
me arrependo. Afinal, ninguém me pediu esse "sacrifício". Faço por
que amo fazer e amo o ser humano. E os animais também ,a mais de dez anos sou
vegana e protetora dos animais.
Jaqueline Furacão - A gente sempre ve vc muito
tristinha no Facebook. Vc acha que a luta te dá forças pra seguir em frente?
Às vezes entro em depressão, pois parece que lutamos e nada
conseguimos, principalmente quando termina o ano e posto o relatório das mortes
de Trans assassinadas no Brasil (faço isso desde de 2011). E a violência dos
fatos me choca e aterroriza. Então penso: é melhor vc escolher a maneira de
morrer que morrer das maneiras atrozes que vejo. As fotos e vídeos das mortes também
me chocam e deprimem. Sou ativista há mais de 20 anos e não me acostumo. Mas a
militância e amigos me dão força pra continuar sim. Quando no meio de uma
manifestação de milhares de pessoas alguém que vc nunca viu te abraça e diz: obrigada
por vc existir, outras dizem: vc é minha inspiração,entre outras, claro que te
fortalece.
Jaqueline Furacão - E seu nome vem de onde? Tem
algum significado especial pra vc?
Indianara - IN (que vem de dentro) DIANA (a
lua) e RÂ (o sol) = A FILHA DO SOL E DA LUA.
Mas os brasileiros só conseguem
dizer INDIANARA que descobri que em sânscrito quer dizer: beleza pura.
Tá bom também!
Jaqueline Furacão - Por que o dia da visibilidade
trans é importante?
Indianara - Queríamos que esse dia não
existisse, mas como existe é importante que não passe em branco, pois nos
tornaria mais invisíveis do que já somos na sociedade. Temos que dar
importância a esse dia para que as pessoas escutem nossas vozes e saibam que
precisamos de direitos que nos são negados desde os mais básicos. E o pior é
ser invisível dentro do movimento LGBT. Então, para nós, é muito importante
esse dia. É o dia que as pessoas nos notam e se dão conta que existimos.
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