No começo da semana, a pequena
comunidade trans da Unicamp se deparou com um grafite de banheiro que nos
deixou encafifados.
Pixado em um suporte de papel
higiênico numa cabine de um banheiro feminino, estava a frase:
"Não deixem os machos ocuparem
nossos espaços!" Acrescido do símbolo feminino [imagem abaixo: clique para ampliar].
Como sempre dizem que as minorias
adoram se vitimizar, tentamos dar um sentido mais amplo ao dizer. Tentamos
imaginar que aquilo não tinha um sentido transfóbico à priori. Imaginamos
outros contextos: talvez alguma feminista quisesse falar de mulher pra mulher
que homens têm invadido seus espaços de representação. Eu mesma imaginei essa
frase no contexto dos anos 60/70, quando o mercado de trabalho era massivamente
ocupado pelo homem. Talvez elas quisessem dizer que o "mercado de trabalho"
também é um espaço para elas. Aqui na universidade, talvez estivessem querendo
dizer que todos os espaços também pudessem ser femininos, que mulheres também
podem ser engenheiras (além de engenheira de alimentos), físicas, químicas,
etc.
Mas logo a minha análise
diplomática caiu por terra. Notei que a(s) autora(s) da frase empregava(m) a
palavra "machos" e não "homens". Se ela(s) quisesse(m), de
fato, transmitir uma mensagem de luta pela igualdade das mulheres, ela(s) teria(m)
de usar "homens". Mas a palavra escolhida foi "machos". O
que essa simples palavra quer dizer é: mulheres trans, vcs não tem vagina (e
mesmo que você se opere, vc não nasceu com vagina). É que pra esse tipo de
gente, a vagina tal qual a da mulher cisgênera, é a essência da mulher. Então,
quando ela(s) diz(em) "machos", o que ela(s) quer(em) dizer é que
mesmo que a mulher trans se considere uma mulher, ela não será uma mulher
verdadeira. A mulher trans é, antes de tudo, um macho. Ela tem um falo,
portanto, é um macho.
Além disso, o que significa
"nossos espaços"? A que espaços as autoras da frase se referem? Depois
de empregar(em) "machos", o dêitico "nossos" acaba de
ganhar seu referente: aquela cabine feminina, os banheiros femininos.
Sobre a(s) autor(as), não da pra
saber se é uma ou mais de uma, mas a frase representa uma ideologia: a das
feministas radicais, as chamadas TERFs, as quais perseguem incansavelmente
mulheres trans. É um discurso de ódio: transfóbico. É um discurso ignorante:
cissexista.
Depois, ao longo dos outros dias,
novas frases foram encontradas. E de uma vez por todas, as mulheres trans não
estão se vitimizando. Elas são, realmente, vítimas dessa visão de mundo
centrada na cisgeneridade.
Outras duas frases parecidas foram
encontradas em outros banheiros: "não deixe que os machos invadam seus
espaços", "não exclua mulheres por causa de machos". Realmente,
ela(s) tiveram a oportunidade de usar mesmo a palavra "homens", mas é
"machos" que aparece reiteradamente em todas as mensagens.
E pra não restar dúvidas, ela(s)
ainda fizer(am) questão de ser mais explícitas em outras mensagens: "ser
mulher não é calçar nossos sapatos". Quer coisa mais essencialista que categorizar
o "ser
mulher" pelo sapato? Se isso é feminismo, tá meio capenga não?
[Nota: tinha outro recado em diálogo a esse que serviu para bugar a cabecinha
dessa gente: "sou sapatão e não uso calçados femininos, e aí?"]
E pra arrematar, o bilhete que mais
explicita a ideia de que macho tem pênis: "Vamos cortar a sua pica!".
Há muitas coisas a se pensar diante
de uma atitude dessas: as mulheres trans universitárias não estão passando
incólume por essa sua etapa de formação. Isso não é novidade. Todas elas estão
calejadas pela transfobia e cissexismo cotidiano. Não é um grafite anônimo de
banheiro que vai nos excluir, seja da universidade seja do banheiro. Mas uma
coisa é certa: vocês também não passarão incólumes.
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