A
nossa entrevistada de hoje é Lara Pertille, a Lara Top. Ela tem 26 anos, é
campinera e formada em Jornalismo. Apesar de sempre ter morado em Paulínia.
Mora com a mãe Josefina, mais conhecida como Kita, em quem ela sempre se
inspira. Segundo ela: "Sempre usei o estudo como fonte de enriquecimento e
combate ao preconceito diário. Sempre trabalhei em empregos formais, desde cedo
e uso isso como fonte formação de caráter do indivíduo". A gata ficou
popular entre os universitários gays da Unicamp, depois da divulgação do seu
vídeo "Amapô num quenda chanã".
Jaqueline
Furacão: Como surgiu a Lara Top?
Lara:
Lara Top surgiu logo no começo dessa transformação minha comigo mesma. Era um
momento de descoberta pessoal como social. Quando comecei a sair na noite a
“moda” no momento era uma ´glamourização´. A noite GLS era algo inspirado em
filmes, mulheres de cinema, enfim. Existia uma cultura enraizada por trás de
todo aquele “personagem” e espetáculo.
Jaqueline
Furacão: Laríssima, conta pra gente como foi essa história do vídeo. Vc
esperava que ele tivesse essa repercussão que teve? Vc me disse uma vez que
aquele dia, o da viagem para ver o show da Amy Winehouse, tinha sido barra
pesada por causa de um bapho que aconteceu no banheiro da rodoviária. Conta pra
gente sobre esse dia.
Lara:
Na verdade até hoje me assusto com a popularidade daquele vídeo. Afinal ele foi
produzido sem pretensão nenhuma de fama ou algo parecido assim. Ele foi feito
em forma de um protesto contra uma menina que estava incomodada por eu e meus
amigos estarem fumando cigarro em um lugar aberto perto dela no estádio do Morumbi.
O mais curioso disso tudo é que era no show da cantora Amy. Pra quem não sabe
Amy ganhou destaque com seus diversos envolvimentos com drogas licitas e
ilícitas.
Na
minha cabeça aquilo era um contraponto total. Uma menina (no vídeo ela aparece
no fundo da tela) incomodada com a fumaça de um cigarro de um grupo sabendo que
na época nem existia a lei que proíbe cigarro em lugares fechados.
E
o vídeo surge disso tudo de um protesto meu, em que um amigo (Mario Clarindo)
filma minha revolta e indignação e posteriormente outro amigo (Gabriel Borges)
posta no youtube. Mas tudo isso em forma de brincadeira.
Preconceito:
Na
volta do show da Amy, eu e meu grupo de amigos estávamos exausto por conta do
show. Ficamos em pé por horas, morrendo de fome. Chegando ao metrô, perto do
estádio do Morumbi (não me recordo o nome), o que eu mais queria era lavar
minhas mãos pra poder comer algo o mais rápido possível. Mas foi aí que minha
labuta começava. Meus amigos arrumaram um lugar para deitar e poder esperar o
ônibus sair pela manhã. Eu sai sozinha em busca do primeiro banheiro para lavar,
até então, minhas mãos. Inocentemente retirei o dinheiro pra pagar e poder usar
o banheiro feminino normalmente, quando fui barrada por uma funcionária do
metrô. A alegação era de que “pessoas como eu não poderia usar o banheiro
feminino para não constranger as mulheres”. Minha revolta subui na cabeça na
mesma hora. Pedi para ela chamar seu superior. O chefe chegou e usou a mesma
frase que a da funcionária. Quase tive um infarto por tanto preconceito
enraizado naquele ambiente. Batemos boca e fomos até um posto policial, que tem
dentro no metrô, pra que os policiais decidissem seu eu poderia lavar minhas
mãos no banheiro feminino ou não. Foi um tremendo absurdo, mas enfim, era minha
única saída.
Isso
só estava começando minha guerra por um direito meu. No posto fui hostilizada, humilhada,
servi de chacota para os demais, por pessoas que até então deveriam me
defender. Mas em momento nenhum pensei em recuar e desistir, aquilo era uma
questão de honra pra mim. E após quase 3 horas de bate boca num triângulo: policais,
metrô e eu, o metrô decidiu que eu poderia usar o banheiro feminino, mas os de
uso de funcionários, assim ninguém me iria ver usando. Mesmo sabendo que isso
não era certo, vi ali uma vitoria minha conquistada.
Mas
lembro-me até hoje de uma frase de um dos policiais: “tá se achando a gostosa,
aqui isso nunca foi permitido”. Eu simplesmente respondi: “só espero que eu não
seja a primeira e a última pessoa a usar o feminino”.
Jaqueline Furacão: Por
falar em banheiro, na última festa do Babado, o Babado de Verão 2014, que
aconteceu na Unicamp, vc também foi vítima de um ato de transfobia. O que
aconteceu?
Lara:
Eu fui convidada por um grupo de amigos a ir prestigiar a festa realizada dentro
da Unicamp (babado de verão). Fui como sempre, de braços aberto. Reencontrei
amigos. Pessoas que nem conhecia, mas dão risada até hoje com meu vídeo, enfim.
A festa estava deliciosa e civilizada até que eu decidi ir ao banheiro.
Entrei
normalmente e ao sair, uma menina maldosamente exclama a frase: “Como tá lotado
o banheiro aqui, acho que só quem tem vagina deveria usar o banheiro feminino”.
Aquilo
me afetou de tal maneira que meu amigo que estava comigo percebeu e me puxou
pelo braço para que algo de mais grave não estragasse a festa toda. Afinal,
Jaque, eu fui educada desde pequena a respeitar o limite de cada um. E
principalmente lutar pelos meus direitos. Imagina você, se eu vejo algo errado
perto de mim: eu vou e defendo. Imagina quando é comigo. Minha luta na vida
diária é contra injustiça social. Isso independente de quem seja. Acho que deve
ser por isso que muitas pessoas torcem o nariz quando me veem (kkkkkkkkk). Levar
desaforo pra casa, jamais.
Jaqueline Furacão: Paulínia, onde vc mora, tem um pólo
cinematográfico importante. Soube que vc já trabalhou como maquiadora para a
indústria do cinema. Por que vc não faz mais cinema?
Lara: Jaque,
eu sempre trabalhei em empregos formais e desde muito cedo. Sempre tive uma
vida confortável, mas fui criada a nunca depender de ninguém e conquistar a
independência financeira. Me formei como jornalista, trabalhei e trabalho como
free lance ate hoje. Mas precisava sobreviver na vida. Foi daí que investi como
cabeleireira e maquiadora profissional e me joguei. Quando surgiu a
oportunidade de trabalhar no cinema me joguei de cara. Era para trabalhar 9
horas diárias. Mas aquilo era tão mágico para mim que muitas vezes eu
trabalhava 15 horas por dia por conta própria. Só para poder ficar perto
daquela fantasia toda. Mas para quem tá começando, financeiramente não dá.
Salários baixíssimos, horários complexos e nada de reconhecimentos. Eu me
sacrifiquei e trabalhei em 4 filmes, o mais conhecido é o filme “De pernas pro
ar”.
Depois
disso, decidi seguir meu próprio caminho. Amei tudo aquilo e claro que se
surgisse uma boa oportunidade faria com todo amor do mundo, afinal escovas e
pincéis são minhas paixões. Não me arrependo de nada, pelo contrário. Foi através
do cinema que consegui reconhecimento profissional e muitas portas se abrem até
hoje para eu poder mostrar meu trabalho. Mas resumindo: eu parei com cinema por
conta do financeiro mesmo. Mas to aí de braços abertos.
Nunca
tive medo do emprego e sempre gostei de desafios. Já trabalhei em varias áreas,
até animando palestra de sex shop já fiz muito. Encaro todo trabalho com muito
respeito e dignidade.
Jaqueline Furacão: E ao
longo de sua vida estudantil, houve algum momento crítico em que vc pensou em
sair da escola/faculdade por causa da transfobia?
Lara:
A minha vida sempre foi barrada por lutas diárias de preconceito. Eu me lembro
que na escola, quando a professora saia da sala, todo mundo da sala parava para
cantar músicas de duplo sentido para mim. Era humilhação mesmo. Desde
xingamentos até ameaças de agressões, mas nunca apanhei.
Mas
vim de uma boa educação, minha mãe é pedagoga. Aprendi desde cedo que a escola
é instrumento de formação de cada indivíduo. Nunca pensei em desistir daquilo
tudo. Pelo contrário, era da onde tirava mais força para ser sempre a melhor e
mostrar que apesar de eles me julgarem, existia um ser humano que pensava muito
mais que eles ali.
Deve
ser por isso que hoje não suporto ver injustiça social com pessoas indefesas.
Quando presencio isso, passa um filme na minha cabeça, e nunca consigo ficar
quieta.
Já
na faculdade, nunca sofri nenhum tipo de preconceito. Acho que por ter me
formado em uma faculdade adventista, as pessoas sempre souberam respeitar minha
individualidade. E na faculdade fui convidada a ser juramentista da turma de
jornalismo. Isso sim foi uma enorme realização na minha vida. Foi a confirmação
de que o respeito e o caráter independe de orientação social de cada indivíduo.
Quando
se tem respeito, amor, caráter e dignidade é mais fácil combater o preconceito
do outro.
Minha mensagem final é:
Ame mais, lute por aquilo que você acredita. Tenha fé. Trilhe seus próprios
caminhos. Seja independente. Tenha coragem e nunca abaixe sua cabeça para
comentários maldosos. Mantenha a paz no coração. O amor e respeito pelo
próximo. E a união de um mundo melhor.
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