O filme "Tacones lejanos" (De
salto altos), de Almodóvar, me fez pensar sobre rejeição. Trata-se da história de uma mulher
rejeitada em vários momentos.
A protagonista Rebeca, já nos é apresentada como
sendo rejeitada desde o princípio por seu padrasto.
Sua mãe, Becky, é uma cantora famosa que está por
deixar a Espanha. Becky recebe a proposta de ir trabalhar no México. Contudo,
seu marido não permite a viagem. É aí que Rebeca demonstra sua devoção à mãe. A
protagonista, então uma criança, troca os remédios do padrasto, este adormece
ao volante e morre num acidente de carro. Rebeca, desde cedo, concede a
liberdade a sua mãe, que parte com a promessa do retorno. Retorno que é adiado por 15 anos. Durante a ausência da mãe, Rebeca alimenta uma imagem materna
perfeita que persegue para si. Depois de passar 15 anos distante, Becky ao
regressar a Espanha, encontra sua filha Rebeca crescida e casada com um de seus
companheiros do passado, Manuel.
A cena mais marcante quanto à rejeição é aquela em
que Rebeca revela à mãe que, mesmo distante, ela sempre continuou sendo sua
figura de inspiração. Ao longo dos anos, a filha tentou alcançar o mesmo êxito
que o de sua mãe. No entanto, como Rebeca mesma admite, ela jamais o conseguiu,
considerando-se, assim, apenas uma filha medíocre, aquém dos feitos da mãe. Mesmo
tendo aparentemente superado-a no que diz respeito aos homens - Rebeca se
casara com um ex de sua mãe - nem mesmo no amor Becky é vencida. Ao retornar a
Espanha, Becky passa a ser a amante do marido de sua filha. A rejeição da
ausência se confirma no retorno. Além disso, Manuel também é um personagem que
rejeita bastante Rebeca, seja pela morbidez do relacionamento seja pelos casos
de traição.
Esse filme me fez lembrar que ultimamente tenho
ouvido muitas histórias de rejeição. Cada uma a sua maneira: ou o amor que não
foi correspondido em um relacionamento, ou a substituição de um parceiro por
outro, ou uma doença incurável etc.
O sentimento de rejeição é uma coisa muito ruim,
abala a autoestima do rejeitado. E isso tem tudo a ver com os padrões sociais.
Todas as pessoas que pertencem a uma minoria já
sentiram esse sentimento de rejeição. Pobres já foram esculhambados por não
serem ricos. Gays já se sentiram rejeitados por não serem héteros. Afeminados
já foram preteridos por darem pinta. Transgêneros se sentem rejeitados pelo
cistema. Gordos já se sentiram indesejados por não serem magros. Negros já
foram indeferidos por não serem brancos. Soro positivos já choraram escondidos
por não se sentirem desejados. Baixinhos já tiveram seus complexos à mostra
diante de um altinho.
É claro que há quem ame cada um com sua diferença.
Independentemente disso, em algum momento da nossa vida, todos nós já nos
sentimos rejeitados.
O padrão grita o tempo todo, crescemos num meio que
o naturalizou. E esse padrão, por mais fortes e conscientes que sejamos, ainda
nos abala. Não conheço ninguém que goste de ou queira ser excluído. Assim,
vivemos num impasse: como abalar o padrão sem deixar que ele nos abale?
Eu não tenho essa resposta. Sou idealista, mas
também sou imediatista.
Às vezes me pego escorregando nos desejos. Me pego
também desejando esse padrão. Mas é difícil me sentir culpada. Não estou acima
do que eu vivo cotidianamente.
Sei que é meu dever contribuir para a quebra do
prestígio de padrões, mas eu também quero viver o tempo em que ele estará
derrubado. É AGORA que eu não quero me sentir rejeitado. Enquanto isso, vamos
tocando a nau dos rejeitados, consolando-nos uns aos outros, se isso ainda é
bálsamo para nossas feridas.
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