Vou tocar num assunto que adiei ao
máximo, mas, como estão sempre pedindo minha opinião sobre o tema, chegou a
hora de me posicionar.
Tenho uma postura muito crítica com
a série do RuPaul, o RuPaul's Drag Race. Eu assisti apenas a uma temporada e
não curti muito. Não tenho nada contra a pessoa do RuPaul em específico. Pelo
contrário, admiro-a bastante e nem preciso dizer o porque. O programa também
tem seu lado positivo: divulgou a cultura drag para a população gay (e
inclusive já é bastante cobiçada pelo "pink money"), incentivou novas
drags (praticamente a nova geração toda) e o mais importante, difundiu técnicas
de montaria guardada há anos pelas drags mais antigas (o programa é tipo um
"Mister M" das drags, rsrs).
Minha crítica, no entanto, é quanto
a algumas ideias do programa em si, que, de longe, não se originou com o
programa, mas encontra grande força para manter-se viva.
Em primeiro lugar, trata-se de uma
competição. Fico sempre com o pé atrás com competições, mas no caso Drag é
ainda mais complicado, porque estamos num campo em que o que mais importa é a
diversidade. As drags são diferentes e é impossível escolher apenas uma. A
competição passa desapercebida pelas pessoas, porque é uma coisa bastante naturalizada
na sociedade capitalista. Existe uma tendência ao pensamento monocórdio nessa
sociedade: o tempo todo estamos fazendo concursos para escolher A/O MAIS, só há
espaço para UM. Isso, por sua vez, é fruto de um ESSENCIALISMO também
naturalizado. O essencialismo diz que as coisas têm uma essência (única e pura)
e que em sua origem elas não são diversas. Oras, isso é uma tremenda bobagem,
pois há inúmeras maneiras de se ser. Mas o essencialismo está aí, vivíssimo por
todo lado. Ele ressoa toda vez que dizemos/ouvimos que fulana não é uma mulher
de verdade (muitas vezes, essa frase é dirigida a mulheres trans), por exemplo.
No caso da série, o essencialismo gira em torno do que é ser Drag. Só a
verdadeira Drag será a campeã, porque afinal ela é uma Drag Queen de verdade.
A verdadeira Drag é aquela que sabe
fazer uma verdadeira maquiagem, sabe fazer enchimentos verdadeiros, sabe cantar
(ops.. dublar) verdadeiramente, etc etc. Como se houvesse apenas uma maneira de
se fazer todas essas coisas.
Em segundo lugar, me incomoda
bastante a competitividade e a rivalidade que surge por conta desse formato. As
Drags performam a feminilidade, evocam a mulher. E fica muito fácil, dentro de
uma cultura machista, que mulheres sejam rivais. No fundo, a rivalidade em jogo
é nada mais que a rivalidade feminina. Difundir isso é dar voz ao machismo.
E por fim, o que me incomoda também
é a maneira como consumimos essa cultura americana: como já disse, acrítica, e
consequentemente, colonizadamente. A gente tem muita predisposição a aceitar os
enlatados e aplicar os modelos de lá para cá. Gentem, o que é
"lipsync" se não a velha e boa dublagem? Já não basta a alcunha de
"Drag Queen", que num movimento anterior, o de Priscila, já não
substituiu o "transformismo"?
Uma vez que estamos inseridos nesse
essencialismo monocórdio, cria-se a sensação de que só se é Drag Queen de
verdade, se a drag for como uma das de RuPaul. Não é necessário podar a diversidade e se matar por um lugar ao pódio nessa corrida das loucas.
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