É super complicado falar sobre
RuPaul's Drag Race (RPDR), em muitos sentidos. Eu vou pontuar só dois deles.
É complicado porque o seriado tem
uma legião de público muito apaixonado. Portanto, falar qualquer coisa sobre
RPDR desperta o amor e também a ira de uma pá de gente.
Segundo que é inegável a
importância do seriado para a profissionalização da arte drag e da manutenção
da cultura drag ao redor do mundo. “Yes, galgamos o degrau da globalização
pop!!!” A visibilidade sensibilizou as pessoas sobre as dificuldades de ser uma
drag queen. E mais, estimulou uma juventude a experimentar sem preconceitos
esta arte.
Mas, este mar de benefícios não
pode anular os reveses que se criou na comunidade. Apesar de todo o amor pelo
seriado, é necessário pontuar alguns aspectos que pede o pensamento crítico:
Vcs já repararam como nossa
sociedade é “monocórdia”? Estamos o tempo todo escolhendo os melhores. Quem
será a nova loira do Tchan? Quem é o jogador que fez mais gols: Pelé ou
Maradona?
A era dos “realities” encontrou
nessa característica um prato bem cheio. Não é à toa que escolhemos os chefes
másteres com o prato mais requintado e criativo! Escolhemos aquele que supera
as calamidades de uma vida no relento e prova sua força de vontade comendo até
olhos de cabra e baratas de laboratório. E nos deleitamos ao assistir aqueles
karaokês tailandeses que mergulham seus cantores em poços cheios de lagartos,
sapos e crocodilos? Quem é a melhor voz? Quem tem o melhor timbre? E desse tem
até a versão Kids!!
Nos últimos tempos temos
chafurdado nossos rabos no sofá vendo “la crème de la crème de la crème” das
seleções dos melhores! Bem aquele que você não é! E se fosse, como você sempre
pensa do lado de cá, faria melhor e terminaria num salto mortal! Que pena que
não é você!! De você, eles amam a empatia.. E é nesse afã que eles moldam tudo
para que você se identifique: e se fosse eu??? Além disso, qual concepção de
“melhor” está em jogo? Sabemos muito bem: o melhor é aquele que faz por
merecer! E aí entramos no terreno movediço da MERITOCRACIA! Os reality shows
lidam com a lógica meritocrática que faz adoecer todo mundo. Esse mundo é
doente porque buscamos o tempo todo sermos os melhores. Estamos paranoicos, nos
cobrando o tempo todo pelo nosso melhor.
Sorte que nós, as drags, temos um
reality pra chamar de nosso. Isso é simbólico, mas o preço é que nos
dragadiamos (gostaram do trocadilho? rsrsrs) por uma coroa que nem sempre vale
a pena.
Sei que a cultura drag tem
sobrevivido desde sempre através dos concursos. Mas, sei lá, poderia estar na
hora de podermos fazer diferente. Quem sabe nossos concursos não sejam mais
cooperativos. Tomara que a grande mídia marqueteira descubra logo que nós
queremos cooperar. A RuPaula já sacou isso na sua última temporada. Quem sabe
não há uma luz no fim do túnel, uma luz que nos leve para a democratização de
outras narrativas drags. Afinal, nós sabemos fazer muitas coisas, além de
competir!